CASA DE CAMPO




A residência que lhe convido a se hospedar remonta à meados da década de 1950. Essa robusta casa de campo de três pavimentos abrange, em sua extensa propriedade, um pequeno lago e uma pista particular de pouso abandonada, situando-se nas contiguidades do aeroporto da cidade e da rodovia federal BR-060.

Ela fora construída onde anteriormente se encontrava a Fazenda Retiro, propriedade rural do banqueiro mineiro José de Magalhães Pinto, através da sua empresa Interestadual Mercantil S/A. Nesta área bastante arborizada e quase idílica, localizada às margens do rio Meia Ponte na região norte da cidade, foi estabelecida uma espécie de acampamento penitenciário que receberia os arquitetos e engenheiros de sua futura fundação.

Como conta a história, tudo começou no ano de 1947, na ocasião da administração do governador Jerônimo Coimbra Bueno. Os relatos dão conta que, em uma visita ao embaixador britânico no Rio de Janeiro, a antiga capital federal, este acabou por aceitar uma incumbência inglória: acomodar nas prisões do estado 50 prisioneiros militares alemães que serviram ao Nationalsozialismus e que se encontravam em território britânico.

Pois veja. A empreitada exigiu um regime de elevado sigilo, de modo que hoje pouco se sabe sobre a chegada destes prisioneiros, que aterrissaram no estado ainda naquele ano, em um avião da Royal Air Force (RAF). Após a assinatura de um termo de recebimento dos cativos, eles passaram para a guarda do governo do Estado, sendo encaminhados à penitenciaria da capital, antigamente situada na avenida Independência. Temendo que a operação fosse descoberta e que a repercussão da notícia dos hospedes pudesse causar um constrangimento político, os prisioneiros alemães foram transferidos para a discreta e afastada região da Fazenda Retiro, onde um acampamento fora instalado.

A construção da casa partiu dos desígnios do governador Coimbra Bueno em uma tratativa com Magalhães Pinto. Andando por estes corredores, você vai poder observar as referências à capital do estado de Minas Gerais, um desejo expresso por aquele antigo proprietário do terreno, como forma de homenagear sua cidade natal. O projeto e a construção da casa couberam aos prisioneiros, que por serem oficiais e por terem sólida formação profissional, gozaram de relativa liberdade criativa neste processo, sendo supervisionados pelo engenheiro Tristão Pereira da Fonseca Neto, responsável por assinar as plantas e grande admirador das inovações técnicas implementadas pelos seus hospedes estrangeiros. Guardo, aqui, algumas copias dessas plantas em minha mapoteca, onde te convidarei a observar como esta arquitetura foi inspirada nas de capitais europeias, sobretudo, em uma grande influência germânica que está presente, inclusive, no padrão de disposição e subdivisão de seus cômodos, conectados por grandes corredores e alas.

As obras findaram na década de 1950 e os prisioneiros foram libertos, tendo migrado em sua maioria para a Argentina Peronista. A administração da propriedade logo se mostrou dificultosa, haja vista os grandes custos de manutenção e a distância do centro da cidade. Com o tempo, ela foi dividida em algumas unidades habitacionais que evidenciaram um grande contraste social ao longo dos anos, quando comparamos as diferentes alas. Hoje, um clima de paranoia impera em parcela dos habitantes mais abastados, um estado de emergência ativo com a presença de câmeras comunitárias e vigilância armada. Há o desejo de restringir o acesso à casa.

A deflagração da pandemia de COVID-19 e a restrição do deslocamento, me colocou diante do confronto reiterado desta espacialidade, explorando sua história escondida nas sombras de suas árvores frondosas. Nos caminhos que empreendi nesse território, gostaria de compartilhar contigo as interrogações que me acompanharam, com o voto de que o seja tão instigante como a mim tem sido, na vigência do termo turco arkadaş. Nele, a amizade é a confluência entre companheirismo e a partilha de uma experiência.
Apresentação